sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Saiba Mais sobre Labirintite





Antonio Douglas Menon é médico otorrinolaringologista e trabalha no Hospital Sírio-Libanês.

Labirintite

A pessoa consegue manter o equilíbrio porque seu cérebro recebe um conjunto de informações que processa para definir qual é a posição dela no espaço. Quais são essas informações? São informações táteis, essas percebidas pela pele e que chegam através dos músculos e articulações, as óticas (por isso quando fechamos os olhos podemos perder a noção do equilíbrio) e as auditivas que vêm através dos sons.
Para entender melhor o que é labirintite, uma doença que pode comprometer o equilíbrio, é preciso conhecer um pouco a anatomia do ouvido interno, atrás da membrana do tímpano. Ele é constituído pela cóclea, uma estrutura enovelada semelhante a um caracol que contém as terminações do nervo auditivo, e por três canais semicirculares. Logo abaixo deles está o vestíbulo.
Todas as células que revestem essas estruturas têm a característica de receber as ondas sonoras que fazem vibrar o tímpano e, identificando essas vibrações, transformá-las em estímulo nervoso, em sinal elétrico que através do nervo auditivo alcança o cérebro onde são decodificados os impulsos recebidos.
Quando essas estruturas sofrem processos inflamatórios, infecciosos, destruições ou compressões mecânicas podem provocar os sintomas próprios da labirintite.
Sintomas da labirintite

Drauzio – O que provoca a labirintite?
Menon – A labirintite é uma doença que pode acometer tanto o equilíbrio quanto a parte auditiva. Os órgãos responsáveis pelo equilíbrio e pela audição estão situados dentro do ouvido interno e se comunicam com o sistema nervoso central através dos nervos da audição e do nervo vestibular. Doenças infecciosas, inflamatórias, tumorais e mesmo alterações genéticas podem ocasionar alterações nessas estruturas anatômicas. Essas patologias podem provocar sintomas como vertigem e tonturas.

Drauzio – Qual é a diferença entre vertigem e tontura?
Menon – Vertigem vem do latim “vertere” e quer dizer rodar. A definição clássica de vertigem é alucinação do movimento. Tontura admite outras definições. O indivíduo tem a sensação de desequilíbrio, de instabilidade, de pisar no vazio, de que vai cair.

Drauzio – Vamos deixar bem claro quais sintomas diferenciam a crise de labirintite da tontura comum que a pessoa sente porque se alimentou mal, por exemplo.
Menon – Na vertigem, o indivíduo vê os objetos do ambiente rodarem ao seu redor ou seu corpo rodar em relação ao ambiente. Pode parecer a mesma coisa, mas não é. São duas manifestações diferentes. Uma é subjetiva e a outra, objetiva. Esses sintomas, associados ou não a náuseas, vômitos, sudorese caracterizam a crise labiríntica típica.
Sentir-se mal e ter a sensação de desmaio podem ser sintomas de hipoglicemia, de hipotensão ou de uma síncope e nada têm a ver com o labirinto. É o caso do indivíduo que vai à igreja sem comer, fica sentado muito tempo na mesma posição, tem uma queda nos níveis de açúcar e sente-se mal, com náusea.









Drauzio – Além de sentir as coisas girarem, que outras características tem a labirintite?
Menon –Além da vertigem, a labirintite pode apresentar manifestações neurovegetativas, ou seja, na fase aguda a doença pode ser acompanhada por náuseas, vômitos, sudorese e até por alterações gastrintestinais. Ela pode também estar associada a manifestações auditivas, como perda de audição, sensação de plenitude auditiva (sensação de ouvido cheio ou tapado), zumbido. Trata-se de manifestações audiovestibulares que podem acompanhar a crise de vertigem, embora nem isso nem o inverso sempre aconteçam.
No entanto, existem quadros completos que ocorrem, por exemplo, na Síndrome de Ménière, uma doença comum cujas principais características são crise vertiginosa acompanhada de surdez flutuante, zumbido e alterações neurovegetativas, como náuseas, vômitos, mal-estar e diarréia, que impedem o paciente de locomover-se, de movimentar-se.

Drauzio – Uma manifestação mais ou menos típica da labirintite é a tontura surgir quando a pessoa muda a posição da cabeça. Por que isso acontece?
Menon - Além da doença de Ménière, outras doenças vestibulares dão vertigem. Uma delas é a vertigem postural paroxística. Seu portador desencadeia a crise quando movimenta a cabeça ou movimenta a cabeça e o corpo conjuntamente.

Drauzio – O que acontece dentro da cabeça nesse momento?
Menon – Dentro do labirinto, nos canais semicirculares, há um líquido – a endolinfa - e uma configuração de otólitos, pedras pequeninas que se movimentam quando o indivíduo move a cabeça. No caso da vertigem postural paroxística, na área do utrículo e do sáculo, existem as otocônias, pedrinhas situadas sobre a mácula que se movimentam quando a pessoa mexe a cabeça. Esse é um fator desencadeante da vertigem e um quadro bem definido dentro da otorrinolaringologia. Existem outras doenças vestibulares que podem provocar vertigem além da síndrome de Ménière e da vertigem postural paroxística, como as neuronites ou neurites vestibulares (processos inflamatórios no nervo e nos gânglios vestibulares) e os neurinomas ou schwanomas que são patologias tumorais importantes.

Drauzio – Todas as alterações que aparecem nessa região do ouvido interno podem provocar labirintite?
Menon – Provocam manifestações traduzidas pela vertigem clássica, rotatória, ou tontura caracterizada por desequilíbrio e instabilidade, por exemplo.

Labirintite, álcool e medicamentos
Drauzio – O álcool pode provocar um processo semelhante a esse?
Menon – Pode provocar. Ingerido em doses um pouco maiores, deixa o indivíduo tonto, com alterações vestibulares, reflexos da ação do álcool sobre o labirinto por causa da hipotensão que ele acarreta dentro das estruturas do vestíbulo.
Drauzio – Alguns medicamentos também podem provocar essa manifestação?
Menon – As drogas vestibulotóxicas, por exemplo, também podem provocar manifestações semelhantes às do álcool. Alguns antibióticos aminoglicosídeos, entre eles a gentamicina e outros mais ototóxicos que agem sobre a cóclea inclusive, principalmente a estreptomicina, podem ter alguns efeitos colaterais. No entanto, atualmente um dos tratamentos utilizados para a doença de Ménière, por exemplo, é a injeção intratimpânica de uma droga vestibulotóxica, a gentamicina.
Drauzio – A droga é aplicada no tímpano?
Menon - Há várias técnicas para se fazer isso. Com a cabeça do paciente rodada para o lado, aplica-se uma injeção de gentamicina diretamente no ouvido médio e, através das janelas redonda e oval, ela vai para o interior do vestíbulo e atua sobre as estruturas do ouvido interno, principalmente as vestibulares, fazendo com que cesse o quadro vertiginoso.




Faixa etária e ação dos medicamentos

Drauzio – Labirintite em criança existe, mas é pouco freqüente.Qual a relação entre labirintite e idade?
Menon - A labirintite incide mais na idade adulta a partir dos 40 ou 50 anos, decorrente de alterações metabólicas e vasculares. Níveis aumentados de colesterol, triglicérides e ácido úrico podem acarretar alterações dentro das artérias, alterações essas que diminuem a quantidade de sangue nas áreas do cérebro e do labirinto.

Drauzio – Como agem os medicamentos usados para tratar labirintite?
Menon – Há vários tipos de medicamentos. Há os vasodilatadores que facilitam a circulação sangüínea porque melhoram o calibre dos vasos muitas vezes reduzido pelas placas de ateromas. Existem os labirinto-supressores, drogas que suprimem a tontura através de sua ação no sistema nervoso. Existem, ainda, aqueles que atuam sobre outros sintomas, suprimindo a náusea, o vômito e o mal-estar.

Drauzio – Sem tratamento, quanto tempo a crise costuma durar?
Menon – Depende do tipo da doença. A fase aguda pode durar de minutos ou horas a dias conforme a intensidade da crise.
Geralmente na doença de Ménière, caracterizada por vertigem com náuseas, vômitos, perda auditiva e zumbido, é necessário sedar o paciente, porque na maior parte das vezes a crise é desencadeada pelo estresse. Nesse caso, elas podem ser mensais, anuais ou desaparecerem por dois ou três anos.

Drauzio – Às vezes são crises sub-entrantes?
Menon - São sub-entrantes, mas sempre com perda da audição. É a chamada surdez flutuante, porque se alternam períodos de queda e de melhora da audição.

Cuidados com o estilo de vida

Drauzio – Você falou em estresse. Que outros fatores do estilo de vida interferem na sucessão das crises?
Menon – A parte psíquica e emocional é muito importante assim como certos fatores alimentares. Geralmente, em indivíduos pré-diabéticos, o excesso de açúcar está relacionado com crises sub-entrantes por causa da hipoglicemia. Bebidas gasosas que contenham quinino também podem desencadear zumbido no ouvido, por exemplo. Na verdade, cada organismo reage de uma maneira diversa diante do estímulo a que está sendo submetido.

Drauzio – As crises podem ter alguma relação com a prática de exercícios físicos?
Menon – O exercício físico provoca um desgaste, pois queima muitas calorias. Se a pessoa fizer exercício sem um preparo prévio adequado, por exemplo, sem ingerir alimentos que mantenham a taxa de glicose no sangue em bom nível, em decorrência da hipoglicemia pode ter queda de pressão, alterações no sistema vestibular, tontura, mal-estar e desequilíbrio.

Drauzio – Quando aparece um doente em plena crise, além de prescrever os medicamentos adequados, você recomenda que permaneça numa posição específica?
Menon – Recomendo que ele fique na posição em que se sentir melhor, não importa qual seja ela, sentado, deitado de costas ou de lado. Em geral, esses pacientes sabem muito bem como se posicionar durante a crise.

Drauzio – Na sua experiência, qual a posição que eles preferem?
Menon - Há quem goste de ficar sentado, mas a maioria prefere ficar em decúbito dorsal lateral com a cabeça um pouco levantada.

Drauzio – E em relação à alimentação, o que você recomenda?
Menon – Recomendo uma dieta extremamente leve constituída por alimentos fáceis de digerir e líquidos à vontade. Prescrevo também medicamentos para controlar náuseas e vômitos para que o indivíduo consiga alimentar-se. Às vezes, ele precisa ser hospitalizado para receber medicação parenteral, ou seja, soro na veia com glicose, soro fisiológico, cloreto de sódio, visando à sua hidratação. Existem, ainda, medicações atuantes, muito usadas em anestesias, que melhoram a crise vertiginosa rapidamente. Esse tratamento, porém, só deve ser feito no hospital por causa dos efeitos colaterais que essas drogas apresentam.

Drauzio – Qual a conduta mais indicada para as pessoas que periodicamente apresentam crises de labirintite?
Menon – É preciso fazer um tratamento de base, no sentido de prevenir as crises, se possível respaldado pelo diagnóstico etiológico da doença. Conhecer sua causa permite tratar melhor o paciente. Em sua grande maioria, os tratamentos são sintomáticos, com drogas que deprimem o labirinto e evitam as crises de tontura.

Drauzio – Quanto ao estilo de vida, o que você aconselha? As pessoas podem dirigir automóvel, por exemplo?
Menon – Durante a crise, nunca, porque poderão ocasionar acidentes graves. Fora dela, dependendo do remédio, as pessoas podem levar vida normal. Hoje, a grande maioria das drogas de manutenção não restringe as atividades dos pacientes. Por outro lado, em geral eles sabem o que costuma desencadear as crises, se é virar muito a cabeça ou ouvir ruídos muito fortes, e se previnem contra esse tipo de agressão.

Drauzio – A pessoa que tem crises com determinada freqüência, além de tomar remédios, o que deve fazer para evitá-las?
Menon – Geralmente a pessoa sabe quais são os fatores que desencadeiam suas crises. Ela se mantém em equilíbrio por informações que partem do labirinto e vão para o cérebro. São informações visuais, táteis ou que partem de seus músculos e articulações. Quando ocorre uma informação errada no cérebro, o indivíduo tem tontura, tem vertigem. Às vezes, são fatores visuais. Há pacientes que não podem ver objetos em movimento, nem mesmo a movimentação das imagens na televisão ou na tela do computador.

Drauzio – A influência da visão é nítida. Pessoa de olhos fechados se desequilibra facilmente.
Menon - Pessoas privadas da visão baseiam-se muito na informação tátil. Elas tocam as coisas e enviam ao cérebro informações sobre seu posicionamento no espaço naquele momento

Cinetose, ou desorientação espacial

Drauzio – Crianças que ficam tontas dentro de automóveis em movimento, por exemplo, ou pessoas que começam a ler durante uma viagem e ficam tontas estão tendo uma crise de labirintite?
Menon – Isso não é labirintite. É uma doença do movimento que se chama cinetose, sem ligações com as doenças vestibulares do labirinto. Acomete pessoas que em determinadas condições de movimento apresentam manifestações neurovegetativas caracterizadas por tonturas, náuseas e vômitos.
A cinetose é uma patologia bastante comum e relacionada com a enxaqueca. Crianças e jovens com esse tipo de problema, geralmente, na idade adulta ou na puberdade, têm crises de enxaqueca.

Drauzio – Como se trata a cinetose?
Menon – Previnem-se as crises com drogas, principalmente com dimenidrato. Nos navios e aviões, costuma haver comprimidos desse medicamento à disposição dos passageiros com sintomas de cinetose.

Drauzio – O mal-estar que as pessoas sentem num barco balançando está associado à labirintite?
Menon – Não. Esse mal-estar, chamado de motion sickness, também é desencadeado por mecanismo neurovegetativo.

Drauzio – Você disse que esses episódios têm relação com a enxaqueca?
Menon – Estudos mostram que de 60% a 80% das crianças com a chamada vertigem postural da infância, na fase adulta, manifestam alguma forma de enxaqueca. Esse é um dado muito importante para diagnóstico e tratamento.

Drauzio – Crianças com cinetose têm prevalência alta de enxaqueca na vida adulta. O problema pode desaparecer com o crescimento?
Menon – Pode desaparecer com a idade por mecanismos que ainda não conhecemos direito. É mais ou menos o mesmo que acontece com a enxaqueca. Sabe-se como acontecem as crises, quais são as alterações vasculares e os fatores desencadeantes, e que existe uma tendência familiar para o problema, mas não se descobriu ainda sua causa.

Drauzio – No caso da labirintite, identificado o elemento causador da doença, o tratamento cura as pessoas?
Menon - Identificada a causa e estabelecido o tratamento adequado, a doença desaparece. Quando a causa não é evidente, é preciso ficar atento, fazer alguns exames e não deixar de fazer o diagnóstico porque existem doenças no sistema nervoso central que podem provocar manifestações no labirinto. Entre elas destacam-se esclerose em placas, tumores no nervo auditivo, no cerebelo e nas áreas do tronco cerebral, além de doenças imunológicas.
Crianças que manifestem quadros de tontura constante e desequilíbrio exigem uma avaliação clínica bastante detalhada porque alguns tumores podem provocar esses sintomas. Afastada a hipótese de vertigem postural ligada à enxaqueca e de cinetose, se os sintomas persistem, elas devem ser examinadas não só pelo otorrinolaringologista, mas também por neurologistas. Vertigem em criança deve ser levada a sério.

Matéria Original do Site drauziovarella.ig.com.br

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